28 abril 2006

Também vou me declarar roxo - II (O outro lado)

Discordo (eu, Elton) completamente do último post do Bruno - Também vou me declarar roxo.

Primeiro que o argumento apresentado não me parece ser nem um argumento de verdade:
"A meu ver, qualquer tratamento desigual que leve em consideração critérios raciais pode acabar gerando uma maior discriminação."

O sentido da palavra discriminar é exatamente "diferenciar", dar "tratamento desigual". Quando se fala em "discriminação racial" geralmente se quer referenciar o fato de que a situação dos indivíduos na sociedade é desigual segundo um critério de raça. O problema racial no Brasil existe, os mais pobres são quase todos negros ou pardos, os mais ricos são todos brancos. A participação do negro na população universitária não corresponde nem de longe à sua parcela na população total. O degrau salarial entre o que é recebido por negros e brancos é imenso e a desigualdade existe até mesmo se compararmos apenas negros e brancos ocupando um mesmo cargo. Estou no meu trabalho agora, não há nenhum negro no ambiente, mas existem japoneses, que correspondem a uma parcela populacional infinitamente menor.

A desigualdade existe por um motivo óbvio, os brancos vieram ao Brasil como colonos livres, quando não como representantes dos interesses imperias da metrópole, os negros vieram como escravos. A dívida histórica com os negros não foi quitada, pouca coisa mudou na vida dos negros ao final da escravidão. Os escravos, que não tinham recebido educação alguma e não possuiam bens para iniciar vida nova, foram expulsos da única habitação disponível - a senzala - para os barracos que começaram a surgir nas periferias. Hoje grande parte de seu descendentes se amontoam em condições semelhantes nos mesmo cortiços e favelas. O trabalho braçal que realizavam antes da "libertação" era o mesmo único disponível, quando havia algum disponível, pois, após a abolição da escravidão, houve um maciço emprego de mão de obra branca colona assalariada. Nada foi feito até hoje para remediar esta situação, que se reproduz geração após geração, de forma que o negrinho que engraxa os sapatos de um banqueiro branco é provável tataraneto de um escravo da fazenda de café do tataravô do banqueiro.

Tudo isso tem um efeito terrível no subconsciente da sociedade. Todo o tempo em que branco foi identificado como o superior, o chefe, o livre, o rico representante da metrópole enquanto o negro era sempre o escravo, o subalterno, o inferior, o pobre, etc. serviu para que se entranhasse em nossas percepções a noção de que "branco" é melhor que "negro": Cabelos lisos são considerados belos, cabelos pixaim são considerados feios e devem ser alisados com "chapinha"; olhos azuis ou verdes são belos; narizes afilados são "belos", narizes largos são "feios". É necessário remediar isso. É necessário remover esta ordem inconsciente de valores que diz que o negro é feio, mostrando a beleza que pode haver no cabelo pixaim, nos olhos negros, no nariz largo, na pele escura. Só que, se esperarmos que os meios de comunicação, os publicitários, enfim, os brancos ricos do Brasil, façam isso por livre e espontânea vontade, vamos morrer esperando. Infelizmente é preciso forçá-los e assim construirmos um novo padrão estético, menos racista e menos elististas (porque no fundo tudo isso se mistura, se os negros fossem a elite e o brancos os ex-escravos pobres todo mundo faria tratamento para deixar o cabelo pixaim, mas não é assim).

Quanto ao acesso à universidade: é óbvio que a solução perfeita seria termos uma educação básica igualitária e de qualidade e etc. Mas não a temos e não sabemos quando a teremos, se é que um dia teremos...

Não podemos, portanto, esperar de braços cruzados a solução ideal. As cotas nas universidades são, sim, um solução imediata, concreta, material para o problema do acesso ao ensino superior pelos negros (e eu prefiro qualquer solução concreta a qualquer abstração). O programa de cotas é o tipo de ação que ao longo das gerações vai ajudando a solucionar o problema, pois é possível que os netos ou bisnetos dos cotistas de hoje venham a ter oportunidades de educação e de acesso a bens e serviços que provavelmente lhes seriam negados se seu avós ou bisavós não pudessem ter se tornado advogados, professores, engenheiros...

O argumento de que cotistas não têm condições de cursar a universidade também é falso, as maiores médias do ano passado na UFRJ foram de cotistas.

Sou a favor, também, das cotas em empresas, que não seriam necessárias se não houvesse racismo na seleção dos candidatos às vagas de emprego.

Em resumo: a situação de negros e brancos é desigual e se quisermos remediar isso teremos que dar tratamento desigual. Fingir que a discriminação não existe é hipocrisia, assim como é hipócrita o argurmento de Hélio Schwartsman de que "Cidadãos são cidadãos, não importando se brancos, negros, amarelos ou roxos", pois a muito mais negros do que a brancos é negado o acesso a direitos básicos da cidadania. O argumento de que já existiria uma "igualdade racial", que seria quebrada pela "discriminação" inserida pelos programas de ação afirmativa, é primo irmão daquele que diz que é "meritocrática" a escala social brasileira ("Ricos são ricos por que mereceram, trabalharam muito, pobres são pobres porque não mereceram ser ricos") e tão hipócrita quanto ele.

A sua interpretação foi sim "muito matemática". Se houver apenas uma pessoa na propaganda ela certamente será branca.

E não adianta identificar-se como roxo. Os roxos, assim como os japoneses, não constam como vítimas de uma violência histórica praticada por nosso Estado e nossa sociedade...

PS: Eu achava que já tinha sido aprovado o estatuto...

Links:
Com Ciência - O Brasil negro
PT - Sim ao estatuto de igualdade racial





Também vou me declarar roxo

Está para ser aprovado na Câmara dos Deputados o Estatuto da Igualdade Racial, projeto de lei do senador Paulo Paim (PT/RS) que visa combater a discriminação racial e desigualdade raciais.

O ponto mais polêmico é o estabelecimento de cotas. O capítulo VII estabelece uma cota mínima para a população afro-brasileira de 20% em universidades, cargos públicos e empresas privadas. A meu ver, qualquer tratamento desigual que leve em consideração critérios raciais pode acabar gerando uma maior discriminação. Sem contar que com a autodeclaração, qualquer pessoa pode se declarar negra para usufruir da vantagem do sistema de cotas.

Em sua coluna semanal, Hélio Schwartsman, critica a estupidez de certos artigos do projeto. Segue um trecho que deu o título ao tópico:
"Cidadãos são cidadãos, não importando se brancos, negros, amarelos ou roxos. Aliás, a título de protesto, vou me declarar roxo todas as vezes que tiver de declinar minha "raça". Não irei, com tal atitude, derrubar o sistema, mas certamente me divertirei ao observar como a burocracia reage ao inesperado."

O capítulo VIII, Dos Meios de Comunicação, também estabelece uma cota de 20% para o elenco de filmes e programas exibidos pela televisão. Esta cota seria contabilizada para um dia e não para cada programa distinto. Supondo que uma emissora queira exibir o filme Coração Valente, que conta com milhares de figurantes brancos. Para atingir a cota, esta emissora teria que exibir apenas afro-brasileiros em todos os demais programas, mas afinal, quem vai ficar contando tantas pessoas na televisão?

O art. 57, no mesmo capítulo, define que uma porcentagem não inferior a 20% dos atores e figurantes de peças publicitárias devem ser afro-brasileiros. Posso estar tendo uma interpretação muito matemática, mas isto significa que se o comercial tem apenas um ator este deverá ser afro-brasileiro ou a porcentagem seria 0% que é inferior aos 20% exigidos pelo artigo.

Leiam o Estatuto pelo link no começo do post e tirem suas próprias conclusões. Eu não acredito que o projeto servirá para acabar com a discriminação e desigualdades. Só tenho certeza de que vou me declarar roxo e ver como "a burocracia reage ao inesperado".

19 abril 2006

O dia em que Franklin Martins mostrou o pau para Diogo Mainardi

Tenho a impressão de que o bobo da corte (esta é do Franklin) Diogo Mainardi apontou seu macartismo para o homem errado:

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=377IMQ010

Atualização (26/04/2006):
Alberto Dines comenta o silencio de Veja em sua edição seguinte:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=378CIR002

16 abril 2006

Como vejo o mundo

Pequeno trecho do livro Como Vejo o Mundo de Albert Einstein. Só este trecho já faz o livro valer a pena:

"A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem... Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Preferiria deixar-me assassinar a participar desta ignomínia."

13 abril 2006

Dois pesos e duas medidas

Quem duvida que exista certo setor da imprensa só dá a importância a notícias que sejam contrários ao PT saiba de mais essa. A notícia abaixo só foi publicada pelo Jornal do Brasil - e o Jornal Nacional deu uma nota sobre o assunto. Nem o Estadão nem a Folha publicaram a notícia:


Papéis somem de escritório
Josie Jeronimo

Documentos do caso Nossa Caixa foram roubados, na madrugada de segunda-feira, do escritório político do deputado estadual Romeu Tuma Júnior (PMDB). Ele atua nas investigações que apuram supostas irregularidades no direcionamento de verbas do banco estatal para empreendimentos de aliados do tucano Geraldo Alckmin.

Tuma registrou a ocorrência terça-feira. No boletim, o deputado estadual alega que apenas dois volumes da sindicância da Nossa Caixa, documentos do processo que apura denúncias de irregularidades na doação de peças do estilista Rogério Figueiredo para a ex-primeira-dama Lu Alckmin e dois mouses foram roubados.

Segundo o delegado titular do 36º Distrito Policial do bairro Paraíso, Mário Guilherme Carvalho, o escritório foi arrombado. A polícia recolheu impressões digitais e outros indícios para analisar o o caso.

- Nenhum objeto de valor foi levado. Apenas os documentos sumiram - disse o delegado.

O deputado requisitou ao delegado o histórico de arrombamentos da região. O levantamento mostrou que em cinco anos apenas dois estabelecimentos políticos foram assaltados. Essa é a segunda vez que o escritório do peemedebista é invadido.

Tuma é corregedor da Assembléia de São Paulo. Além da função, o deputado se aliou à bancada petista na tentativa de conseguir instalar uma CPI que investigue as denúncias do caso Nossa Caixa. Os petistas também suspeitam de que a invasão do escritório teve motivações políticas. O deputado, autor do requerimento que pede explicações a Alckmin sobre os vestidos que a ex-primeira dama teria recebido do estilista Rogério Figueiredo, disse ontem que o assalto foi uma tentativa de intimidação.

- Não tenho nenhuma dúvida de que foi represália para me intimidar. Em uma relação custo-benefício, se os documentos não tivessem cópias, se perderia muito nas investigações. Seria impossível reconstituir os dados. Como nós temos cópias do material, o assalto valeu só como intimidação - observou o deputado, que acompanhava, ontem à tarde, o depoimento do ex-gerente de marketing da Nossa Caixa Jaime de Castro ao promotor Sérgio Turra, do Ministério Público Estadual.

No depoimento, o ex-gerente disse que ´´em alguns casos´´, as ´´orientações´` da assessoria especial de Comunicação do estado seriam para que o banco fizesse anúncios em veículos ligados a deputados estaduais da base de Alckmin. O volume desses anúncios, no entanto, corresponderia ao porte e à capacidade de circulação dos veículos. As informações são do promotor Sérgio Turra Sobrane, que tomou o depoimento de Jaime de Castro.

Datafolha rasga a fantasia iluminista da imprensa

Um belo texto de Gilson Caroni Filho, no Observatório da Imprensa, que pode ser acessado aqui.
Trecho:
Mas o que fez a mídia perder-se de si mesma, invalidando seus estatutos de verdade, foi a crença nas auto-representações. A imprensa imagina-se, como destaca Emiliano José, uma espécie de "parlamento sem voto", podendo, nesse raciocínio, falar em nome do povo. Quem conhece o entrelaçamento de interesses que a torna sócia das classes dominantes sabe o quão ingênua é essa caracterização. Quando não tínhamos sedimentação social suficiente que nos permitisse dizer em nome de quem se estava exercendo a delegação do poder talvez a realidade estivesse menos distante da idealização. Hoje, no entanto, nossas estruturas estão bem mais consolidadas. Nossa sociedade está bem menos gelatinosa.

10 abril 2006

Quem sai aos seus não degenera...

Que vontade de vomitar, ou fazer coisa pior.

Se enganam os que não acreditam que na sociedade tudo esteja interligado em uma rede de causas e efeitos: é para que riquinhos futeis como ela possam se divertir fazendo uma "comprinhas" de "bens essenciais" que seu papai tortura meninos na Febem.

Entidades acusam Cláudio Lembo de intimidação

Pior está a cidade de São Paulo, que tem dois anos de Kassab pela frente.

Lembo mostra que é Arena até o osso (via Vermelho):


Entidades acusam Cláudio Lembo de intimidação

As furiosas declarações do governador foram feitas em Jundiaí (SP), na quarta-feira, dia em que rebeliões no complexo penitenciário do Tatuapé deixaram feridas 62 pessoas. “Toda vez que alguns agentes externos ingressam na Febem com uma idéia de que [internos] são humanos, na verdade eles estão criando atos desumanos”, provocou, em meio a promessas de “agir firmemente”. O tom ríspido das ameaças não calou os movimentos sociais, conforme mostrou reportagem da “Folha Online”.


“Ato desumano quem criou e está perpetuando é o governo de São Paulo, que mantém este modelo da Febem”, disparou o advogado Ariel de Castro Alves, do MNDH (Movimento Nacional dos Direitos Humanos) e da Comissão de Diretos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). De acordo com Alves, a acusação de Lembo é “uma atitude irresponsável”, já que “ele, como governador, não poderia dizer isso”.


Mesmo quem espera trabalho em conjunto com o governo se desapontou. “Não esperava esse posicionamento. Nós deveríamos ser parceiros”, lamentou Conceição Paganele, da Associação de Mães de Internos da Febem (Amar). A tentativa de intimidação ficou mais clara quando o próprio Lembo, em ato falho, admitiu que a Febem é “um produto de um grande fracasso de todos nós”.


Na linha de Alckmin – A área de segurança pública tem sido o calcanhar-de-aquiles dos últimos governadores paulistas, a começar por Luiz Antonio Fleury Filho. Ex-aliado de Orestes Quércia, a quem sucedeu no Palácio dos Bandeirantes, Fleury é lembrado sobretudo pelo massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, quando a polícia invadiu o presídio e matou 111 detentos. No mesmo ano, os policias do estado foram responsáveis por 1.428 mortes — recorde até hoje para um único ano.


Com Mário Covas, São Paulo ficou à mercê da ofensiva neoliberal, e a questão da segurança foi para segundo plano. A falta de recursos e de uma política eficiente para a área só fez piorar a situação — ainda que o então secretário José Afonso da Silva fosse ligado aos direitos humanos. Ao suceder Covas em 2001, Alckmin optou pelo jogo sujo e escalou Saulo de Castro Abreu Filho para a pasta. Até mesmo José Afonso, um tucano de formação, atribuiu à dupla Alckmin-Saulo a “política de execução”, “um retrocesso”.


Alckmin, já em 2004, chegou a dizer que “estão atrapalhando a segurança com esse negócio de direitos humanos”. O então vice-governador, Cláudio Lembo, viu e consentiu a intensificação do autoritarismo. Em novembro de 2005, em meio a uma dos piores tumultos na Febem Tatuapé — com 61 fugas e 55 feridos —, o governo paulista tentou confundir a opinião pública: abriu sindicância para ver se Conceição Paganele, da Amar, era a mentora da rebelião. Ela e Ariel de Castro foram difamadas por Alckmin, por estarem, segundo o tucano, “contra o governo”, “criando problemas”.


Ao disparar agora contra entidades populares, o que Lembo faz é dar continuidade à demagogia de Alckmin. O recado é claro — e mais reacionário: a depender do PSDB e do PFL, São Paulo permanecerá sem uma política eficiente para a segurança pública, sem direitos humanos, sem esperanças a curto prazo. A contundente reação dos movimentos sociais faz contraponto a esse descalabro e merece ser elogiada por quem defende um estado menos opressor, mais social e mais democrático.


04 abril 2006

Sem comentários

Via Biscoito Fino e a Massa:





Como escreveu o Rafael Galvão:
Se ele não cumpre as promessas feitas em papel timbrado de um jornal, imagine aquelas feitas em discursos na periferia.
Pois é.