14 fevereiro 2007

Löic Wacquant

Já que o mundo anda em círculos, entrevista com Löic Wacquant, publicada na Folha em15/05/2006:

"Acontecerá de novo", diz sociólogo francês

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Washington

Ataques como os do fim de semana devem ocorrer de novo e só podem ser evitados se as elites políticas brasileiras e o governo do país contra-atacarem no campo social, não no criminal. Polêmica, essa é a opinião de um especialista no assunto: Loïc Wacquant, 46, professor de sociologia da Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador do Centro de Sociologia Européia em Paris.

Francês, ganhador do prêmio da Fundação MacArthur, o "prêmio dos gênios", ele estudou no Brasil as desigualdades sociais, o sistema carcerário e o judicial, visitas que renderam livros como "As Prisões da Miséria" (Jorge Zahar, 2001), "Punir os Pobres - A Nova Gestão da Miséria nos EUA" (Freitas Bastos Editora, 2001) e "As Duas Faces do Gueto" (sai em setembro pela Boitempo Editorial).

A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha:

Folha - Por que a situação em São Paulo chegou a esse ponto?

Loïc Wacquant - Porque nas últimas décadas as elites políticas brasileiras têm usado o estado penal --polícia, tribunais e sistema judiciário-- como o único instrumento não só de controle da criminalidade como de distribuição de renda e fim da pobreza urbana.

Expandir esse estado não fará nada para acabar com as causas do crime, especialmente quando o próprio governo não respeita as leis pelas quais deve zelar: a polícia de São Paulo mata mais que as polícias de todos os países da Europa juntos, e com uma quase impunidade. Os tribunais agem sabidamente com preconceito de classe e raça. E o sistema prisional é um "campo de concentração" dos muito pobres. Como você pode esperar que esse trio calamitoso ajude a estabelecer a "justiça"?

A manutenção do que chamo de estado penal só faz com que a violência institucionalizada alimente a violência criminosa e faça com que as pessoas tenham medo da polícia. Cria um vácuo que o crime organizado sabe muito bem preencher. Isso permite a eles que cresçam e sejam tão poderosos e ousados a ponto de desafiar abertamente o Estado e seu monopólio do uso da violência.

Folha - O sr. acha que os ataques acontecerão de novo?
Wacquant - Sim, pode-se prever que acontecerão de novo e de novo, pelo menos enquanto as elites políticas se recusarem a encarar de frente as desigualdades vertiginosas. Nenhuma sociedade democrática na face da Terra pode combater o crime apenas com seu aparato policial-judiciário.

Quais os remédios? Os de sempre: educação, emprego, seguro para os desempregados e uma rede social para os mais pobres. O Brasil paga com violência criminal sua recusa injustificável de encarar sua desigualdade social.

Folha - Uma política de "tolerância zero", a la Rudolph Giuliani quando prefeito de Nova York, poderia ajudar a resolver o problema?

Wacquant - Seria um erro duplo. Primeiro porque a queda espetacular do crime em Nova York não teve nada a ver com a política de "tolerância zero" de Giuliani, já estava em curso quando o prefeito apareceu na cena e acontecia em outras cidades norte-americanas e mesmo canadenses, em lugares que não aplicaram tal política. Segundo porque, no Brasil, aumentar o poder da polícia equivale a restabelecer a ditadura sobre os pobres e a destruir ainda mais as bases democráticas do Estado.

Folha - E a pena de morte?

Wacquant - Nunca teve efeito definitivo em crimes violentos em nenhum país, por que haveria de ter no Brasil? Por que bandidos profissionais, que estão na indústria da violência, temeriam a morte quando eles a vêem diariamente ao redor deles, quando eles matam e são mortos rotineiramente?

Folha - O sr. esteve no Brasil algumas vezes. Teve medo?

Wacquant - Estive sete vezes na última década. Percebi uma mudança significativa ao longo desse período, com o medo da violência crescendo e se espalhando. Se as elites não se movimentarem, esse medo jogará o país em um ciclo vicioso e mortal.

O presidente Lula declarou em Viena, no último fim de semana, que a causa da violência é a falta de programas sociais. Ele está certo, mas são só palavras. Agora, nós precisamos ver as ações, e elas estão no campo social, não no campo criminal.

2 comentários:

Bruno disse...

O legislativo tem que resistir a pressões populares por medidas estúpidas, como redução da maioridade, prisão perpétua ou pena de morte. Felizmente os congressistas são minimamente sensatos nestes momentos.

Agora o governo quer fazer plebiscitos com mais frequência. Fico pensando se estivessemos às vésperas de um para decidir a respeito de um item referente a "segurança pública".

Anônimo disse...

Entrevista clara, concisa, honesta e muito útil para todos os cidadãos. Obrigada!!! MHZ